"Felizes somos nós, Israel, pois o que agrada a Deus nos foi revelado"

Baruc IV, 4

domingo, 12 de agosto de 2012

Ainda as variações em torno de um tema

Gustavo Corção

VALE A PENA continuar a conversa de grande proveito para o conhecimento de nossa alma e certa­mente o desenlace de nossa sorte. E aqui me ocorre a idéia de desfazer um equívoco que perturba toda a at­mosfera de nosso tempo: todos imaginam que o termo "amor-próprio" se tornou antiquado e que foi substi­tuído pelo termo "egoísmo" que julgam conhecer. Já o psicólogo ErichFromm, citado em outras linhas, tendo chegado à descoberta sensacional dos dois amores de si mesmo, o bom que nos leva a Deus e o per­verso que d'Ele nos afasta, infelizmente escolheu dois termos que desviam a atenção devida à antiga sabedoria: self love e selfishness, que se traduz por amor de si mesmo e egoísmo. Ora, a idéia que o termo amor-próprio nos incute é distinta da idéia significada pelo termo egoísmo. Este último está horizonta­lizado no plano da justiça e das rela­ções humanas sem nenhuma referência a Deus. Ao contrário, o termo amor-próprio e a idéia que ele nos in­cute é totalmente diversa do egoísmo. A noção de amor-próprio é impossível sem referência à relação homem-Deus, e até pode ser defini­da como uma inclinação má, deixa­da nas almas pelo pecado original, que nos afasta de Deus e nos leva a um desregrado amor de si mesmo e a um amor ainda mais desregrado das criaturas exteriores. Uma es­quecida expressão escolástica defi­ne bem a principal função do amor-próprio: avertio a Deo et convertio ad creaturam. Depois do primeiro passo do amor-próprio, que é a aver­são a Deus, ele se multiplica em fal­sos amores de que a alma decaída tem fome. Posso até, entre os sub­produtos do amor-próprio, incluir o egoísmo e também o bastardo con­ceito de justiça social, nascido nas revoluções contra Deus, e agora sa­boreado pelos novos eclesiásticos.

A RIGOR pode-se dizer que toda a calamidade que hoje flagela a Igreja Católica é fruto espúrio de uma maratona de amor-próprio desencadeada, com forte apoio do Demônio, em todos os escalões da hierarquia. Todas as aberrações e perversões admitidas na nova Igreja, são invariavelmente, frutos da aver­são a Deus, e do complementar amor do próprio umbigo. Sim, insis­to e insistirei a tempo e contratempo que todas as aberrantes inovações nasceram da primeira de todas as impurezas: o amor-próprio. Convém voltarmos à consideração do egoísmo e da justiça, para que o lei­tor não imagine que menosprezei a virtude da Justiça reduzindo-a às de­formações dos tempos modernos. Algum religioso, talvez até três reli­giosos, ainda se lembrarão de que a justiça, como a Igreja a vê e a estimula, tem sido perversamente rebatida sobre o plano dos negócios humanos. Guardo a esperança talvez ingênua de supor que os três religio­sos, ou cinco, (mas não exagere­mos!) ainda sabem que a mais alta forma de justiça é aquela que nos leva a prestar a Deus o culto de adora­ção que lhe é devido. Este ponto alto da virtude da Justiça é também cha­mado virtude de religião. Contrariá-la ou desprezá-la é a mais clamorosa injustiça que pode o homem prati­car: a recusa de prestar a Deus o culto de adoração que lhe é devido. Repeti em forma negativa o que dis­se acima em forma positiva com a intenção de conquistar mais um re­ligioso e algum padre para esta conjuração com que nos atrevemos a lembrar a antiga e invariável sabe­doria. Creio entretanto que 99% das pessoas que pronunciam o santo no­me da Justiça estão longe de querer prestar o culto de adoração a Deus. Sinto-me até um pouco ridículo na exegese com que estou recordando a verdadeira noção de Justiça! O fato inegável é que toda uma corrente revolucionária foi motivada pelo ressentimento humano. Já há muitos anos ultrapassei a idade em que al­guém ainda pode acreditar na gene­rosidade dos socialistas. Mas ainda acredito no fato bruto que se impõe a qualquer observador: os movimen­tos revolucionários motivados pela mais-valia e pela "justiça social" estão aí reclamando dos imbecis um culto de admiração.

TODA A TRAMA dos problemas modernos na cidade e na Igre­ja resultam de uma subversão de to­dos os valores e todas as virtudes cristãs. Chesterton dizia que esse palavrório das modernas ideologias são apenas as antigas virtudes cris­tãs enlouquecidas. O firmamento das civilizações onde brilham as constelações de valores, critérios e idéias foi terrivelmente mudado de­pois da renascença e da Reforma. O que sobrou no mundo ocidental cada vez mais burro e menos cristão, foi a tarefa de aceitar, defender e culti­var os erros que visaram a morte de Deus e o enterro da Igreja.

ESSE MOVIMENTO de idéias, valores e critérios consistiu prin­cipalmente na subversão ditada pelo amor-próprio tornado a peste negra daquele e de nosso tempo. Digo mais claramente: o mundo moderno ofi­cializou para as almas (as almas?) e para as instituições reviravoltadas, esta brutal inversão de valores e cri­térios. E hoje vemos cada dia que os mais ardentes seguidores de tais movimentos são o clero e a hierarquia eclesiástica, em todos os seus escalões. Até quando, meu Deus?